Resenha | "Gente Como a Gente" romance de Judith Guest, trazendo como tema, suicídio.

by - abril 24, 2019

preferível mover-se a ser incapaz de se mover, por ter tanto medo de perder as coisas."



Sinopse: As transformações sofridas por uma família comum da classe média, no momento em que o filho mais jovem retorna de um hospital psiquiátrico após tentar suicídio. Livro de cunho psicológico, trata questões fundamentais ao ser humano, numa trama bem urdida, onde emoção e reflexão se contrapõe admiravelmente.// Média no skoob: 3.7 || Título Original: Ordinary People || Autora: Judith Guest || Páginas: 238 || Gênero: Romance (psicológico), Drama, Literatura Estrangeira || Editora: Circulo do Livro || Lançamento: 1985 // Skoob // Amazon


por Jéssica Faustino

              Se bem me lembro, todas as vezes em que leio um livro que tem como tema transtornos mentais e problemas familiares (ou sociais) quase nunca sei como começar a falar sobre a obra. Digo, em termos técnicos. Me parece errado falar sobre o material quando se tem uma história com uma essência que merece muito mais atenção. Algumas das minhas leituras se trata muito mais da experiência que foi lê-lo, e é sobre isso que eu quero falar. Gosto de ler e escrever sobre as nossas experiências particulares, porque, isso é único e todo leitor tem sua experiência única a oferecer.

              O ano de publicação é 1976, ganhador do prêmio Janet Heidinger Kafka Prize, sob uma tradução de: "Vera Neves Pedroso". As páginas do meu exemplar de "Gente como a Gente" — que tem como tema o suicídio e consequências de perdas familiares — já estão amareladas e morfadas. A narrativa em terceira pessoa não é tão descritiva, e por vezes parece que estou realmente ouvindo aquela história da boca do autor ou mesmo assistindo-a de sua mente. E apesar de ser escrita pela Judith Guest, as partes do Conrad, o seu dia a dia, após sua saída da clinica depois de ter tentado o suicídio, é como estar compartilhando dessa experiência ao lado dele.

Eu nunca sei dizer se absorver/compreender as emoções e razões dos personagens é algo que todo mundo (sem exceção) faz, ou se é preciso ter um pouco de experiência naquilo ou em coisa semelhante. Mas para mim, essa história parece tão real. O começo do livro nos deixa como observadores do Conrad, mas no decorrer da história nos faz viver aquilo com ele. Gostei bastante do trabalho que a Judith fez, porque mesmo o leitor chegando alguns meses após o ocorrido, e o presente já ser a fase de recuperação/adaptação, ainda assim, é fácil de compreender o porquê dele ter feito o que fez.

Conrad é um rapaz que está tentando agir normalmente apos deixar a clinica e voltar para casa, e com o passar das páginas o acompanhamos, com sua família, na escola, e em tudo o que era seu e que agora parece ser seu. É assim que o leitor começa a descobrir o que houve nos últimos seis meses.

Comecei a ler esperando aquele drama e bulliyng mais explicito da literatura junivel, mas Gente Como a Gente apresenta tudo isso de um jeito mais sutil, não sei se, talvez, pelo ano em que foi escrito... talvez as pessoas não falassem sobre suicídio tão abertamente (até hoje não falam). É um outro lado da vida real ainda sobre esse assunto. Nós vemos, mas não dizemos, infelizmente.

              "Gente Como a Gente" é um romance que fala sobre uma família que não sabe como deixou tudo acontecer e como lidar com isso agora. Assim podemos acompanhar o detrimento e desenvolvimento do personagem principal, Conrad, e um pouco do comportamento dos pais dele, os quais agiram bem diferente do que imaginei.


A mãe é uma perfeccionista em casa e parece estar sempre trabalhando, e quem vê por fora elogia o belo trabalho que ela exerce. Em casa mostra-se bem indiferente ao filho, e isso não é algo que o personagem expressa, mas que o leitor nota. É como se ela achasse que tudo não passou de birra. O pai, eu diria que ainda parece estar vivendo aquele dia. Vive preocupado, mas tenta manter uma distância como forma de demonstrar confiança ao Conrad. E é essa preocupação do pai para que nada aconteça novamente, que faz com que a mãe passe a sentir ciúmes do próprio filho. O que é bizarro.

Esses acontecimentos secundários são coisas sutis. A trama principal é mesmo essa nova vida do Conrad.

              Quando alguém comete suicídio, mas é impedido a tempo, existe todo um processo de recuperação e "reabilitação". Afinal, por mais que a pessoa não tenha morrido realmente, ela se sente... perdida. Foi esse processo de encarar a própria vida (e nova ao mesmo tempo), ou tentar fazer dela nova (e entender que não é mais como antes) depois de seis meses na clinica, que eu gostei de acompanhar.

Tenho refletido e observado alguns comportamentos nos últimos anos, sobre como herdamos um defeito e guardamos em nosso arquivo de defeitos. Os filhos, principalmente quando não desejam ser como os pais, conseguem herdar, e por vezes, modificar. Como a "teimosia" que pode vir a se tornar persistência; ou o perfeccionismo de Bet, mãe de Con, que ele acaba herdando, e ao invés de ser chato e se impor como ela faz, lhe rende notas As, e por exemplo, melhor tempo nas competições de natação. Por outro lado, por mais que tenha sido muito bom e que tenha uma influencia desse perfeccionismo em suas vitorias, mais tarde isso o leva a ter uma autoestima baixa, ao contrário do ego inflado da mãe. Um "cor cinza". Sente-se um fracassado por um único acidente recente em sua vida.

E é triste e curioso ver como o cérebro funciona. Como deixamos de ser quem somo e passamos a ser o resultado das ações e expectativas de outras pessoas. Se é que em algum momento nós somos alguma coisa por nós mesmos. E se somos, quando começamos a ser ou deixar de ser? Como funciona a seleção de pessoas que conseguem utilizar a herança do jeito certo, de pessoas que nunca terão autocontrole?

              Gente Como a Gente é um bom livro e que me fez pensar sobre essas coisas. O Con busca por autocontrole, o pai, Cal, estar passando por uma crise existencial, enquanto a mãe/esposa sequer se questiona de quem está sendo. E desse bolo ainda dá para refletir sobre mães que não amam os próprios filhos. E com isso eu não quero dizer que não tem pais que não abandonam seus filhos. Estou focando aqui, nas mães, que ainda que criem os seus filhos, fazem distinções entre eles e tem ciumes.

É isso pessoal. Obrigada pela atenção e vocês e até o próximo post. 💕
É nóis, turma! 

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17 comentários

  1. Fiquei super curiosa com a sua resenha. Acredito que mesmo hoje em dia que esse assunto é mais comentado ainda devem ter muitos aspectos similares ao de quando o livro foi escrito. Achei legal o livro abordar a nova vida dele ao invés do contrário que é o que usualmente encontramos.
    Abraços
    https://byjaque.com/

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    1. Oi Jaque.
      Também gostei de onde a história começa a ser contada. As vezes a gente esquece que prevenir o suicídio não acaba quando a vitima apenas não termina o ato. Existe uma caminhada a ser percorrida, mesmo depois.
      Obrigada pela visita. 💕

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  2. Esse livro tem uma publicação antiga, mas um assunto bastante atual, importante e necessário discutir.
    Gostei muito de suas colocações na resenha, não é fácil escrever sobre o assunto, eu mesma tenho muita dificuldade.
    Tenho um caso na família de uma mãe exatamente assim, às vezes, parece até surreal, a nítida falta de sentimento e as diferenças que faz entre os filhos. E eu sei o quanto isso afeta.
    Eu não conhecia esse livro e vou levar a dica. Fiquei interessada em ler.

    bjs

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  3. Isa do @leportraitdeisa

    Que resenha incrível! Com certeza o suicídio é um tema muito pouco abordado até mesmo hoje em dia em que o tabu de não se falar sobre isso já foi quebrado. Imagino que na época em que foi escrito o livro o assunto era praticamente inexistente e por isso talvez tudo seja mais 'delicado' na escrita da autora.

    Não consigo imaginar como deve ser ficar 6 meses internado em uma clínica, mas parece ser interessante acompanhar o comportamento e a adaptação de Conrad , mas pelo amor de Deus qual é a dessa mãe?

    Me interessei e vou colocar para comprar e ler esse livro.

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  4. Essas são excelentes reflexões Jessie, já quis ser como queriam que eu fosse, já me senti perdida sem saber quem eu era... e acho que na real, todos passamos por essas fases, faz parte de crescer, o problema é que alguns não se encontram né, e dialogar é ótimo! mas a pessoa precisa querer ser ajudada tb, conheço gente que simplesmente não quer ajuda, empurra a vida com a barriga e isso pra mim é o mais triste.

    Sempre bom essas leituras que nos lembram como a vida e a nossa influencia ao outro é importante!

    osenhordoslivrosblog.wordpress.com

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  5. Oie Jessie.
    Amei a proposta do livro e todos os temas que ele planeja alcançar. Eu gosto de dramas, principalmente quando causam reflexão, então esse livro pode ser maravilhoso para mim.
    Obrigado pela dica.
    Beijos.
    Fantástica Ficção

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  6. Nossa que resenha linda!Eu gosto muito de livros com essa temática e acho muito importante abordar nas escolas também. O diálogo para mim ainda é a melhor forma de tentar ajudar quem pensa nesse ato tão cruel de tirar a própria vida.
    Vou anotar aqui e quero ler em breve, bjus.

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  7. Oi, Jessie! Sei perfeitamente como você se sente. Também sinto necessidade de avaliar uma obra que aborda temas tão precisos e delicados, principalmente quando não é o meu local de fala ou quando não passei pela situação descrita - tenho muito medo de falar besteira - então também prefiro transmitir a minha experiência de leitura. Mas sinceramente, esse o grande poder da literatura, nos conduzir ao desconhecido, nos apresentar a situações e personalidades diferentes afim de gerar empatia. Se assim não for, se ver e se identificar dentro de uma história é tão precioso quanto. Sobre o livro, ainda não o conhecia, mas achei muito interessante, principalmente porque trata do suicídio dentro do contexto familiar. Como você mesma disse, o suicídio não possui a notoriedade que deveria, então histórias assim são essenciais e sempre muito bem-vindas.

    http://abducaoliteraria.com.br

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  8. Olá!
    Eu gosto bastante de livros que me fazem refletir. O tema suicídio me atrai bastante, fiquei curiosa pela leitura já com seu título do post. Mas é preciso estar numa fase "legal' para lê-lo, acredito.
    Gostei da premissa e já quero entender mais sobre o Conrad, seus motivos, como foi na clínica... Vou anotar para ler depois!

    Beijos.

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  9. Eu não conhecia esse livro, mas já gostei muito da premissa dele. Falar sobre temas assim é difícil, ler também, não pela escrita da autora, mas pelo que a leitura te traz. Quase sempre são livros que te fazem mergulhar em várias reflexões, em tentar compreender as pessoas, o que é algo maravilhoso. Porque infelizmente não é todo mundo que tenta entender o próximo, que apoia em vez de julgar, que percebe que o mundo vai muito além do que a gente considera certo. Cada pessoa é diferente uma da outra, pensa diferente, reage diferente, mas a maioria das pessoas parece ignorar isso ou se fechar no seu mundinho.

    Parabéns pela resenha!

    P.S. Já não fui com a cara dessa mãe.

    Bjo
    ~ Danii

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  10. Oie!
    Primeiro, parabéns pela resenha! Está maravilhosa.
    Eu tendo a não sair da minha zona de conforto literária, por me deixar influenciar pela história, principalmente quando são sobre assuntos sérios. Eu sempre fico pensando: "tem alguém em algum lugar passando por isso aqui" e isso é angustiante para mim, por isso evito livros com assuntos "pesados", mas gostei desse, e com certeza acredito ser uma leitura válida. Vai para minha lista, amei a dica!

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  11. Oiiii,
    Não conhecia o livro e confesso que adorei toda a sua apresentação e impressões dele. É muito interessante como cada autor retrata cada problema, podemos ler vários livros ou assistir filmes e séries que abordam um mesmo tema e apontam as mesmas questões, mas cada autor vai trazer um novo olhar e uma nova questão para se pensar e refletir. Adorei saber dessa parte sutil da narrativa e também adoro quando o autor começa a história com uma situação que já aconteceu e vamos descobrindo aos poucos como se chegou até ali. Suicídio é um tema muito delicado, e sim, pouco discutido, justamente porque as pessoas tem medo e receio de isso influenciar outras. Porém, ficar calado também é um problema. Acho que cada pessoa tem um motivo para chegar a esse ápice, e é importante que a família e os amigos conversem e fiquem atentos para qualquer mudança que possa ser preocupante.Mas enfim, não é uma situação fácil.

    Quero muito ler esse livro! Sua resenha me conquistou!
    Bjokas da Elo!
    http://cronicasdeeloise.blogspot.com/

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  12. Olá, tudo bem?

    Primeiro de tudo: uau! que resenha! que livro! Consegui através de suas palavras perceber a grande carga emocional que esse livro carrega com si e me fez querer ler, mesmo que ele fuja quase que completamente da minha zona de conforto literária.

    Beijos,
    Blog Diversamente

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  13. Olá,Jéssica Faustino
    Começo o comentário dizendo: WAW!! Amei ela abordar o que acontece quando a tentativa não tem o desfecho esperado. Apontar que a mente da pessoa trabalha contra ela, e é preciso um trabalho e esforço genuino para que a mesma "mente" passe a ser a favor da pessoa.
    A abordagem de um tema delicado e atual de uma forma que trás ao mesmo tempo reflexão e esperança. Parabéns, também por sua resenha ser tão rica e cheia de argumentos que mostram porque foi uma leitura marcante e que vale entrar na lista de livros a ler.
    Beijos,
    Elis do ☘ Blog Pretenses

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    1. Aah, Elis! Obrigada, de verdade. 💕
      Fico feliz que tenha sido uma resenha "em conta" , haha.
      Você disse tudo! A mesma mente que nos derruba, deve ser trabalhada pra nos erguer e nos manter de pé.
      Obrigada pela sua vita. 💕

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  14. Nossa que texto legal, amei seu blog... Vi que sempre tem textos legais! Estou adorando visitar e ler seus textos..

    Parabéns!

    Meu Blog: Loterias de Hoje

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    1. Oi Tay,
      desculpa a demora (estivemos meio devagar — porém, sempre. rs) por aqui. Mas fico feliz que tenhas gostado!
      Obrigada pela visita. 💕

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