Resenha | Um Mundo Brilhante: O que fazer quando o mundo em que você vive não é o lugar a que você pertence?
“No começo, pensou que o homem estivesse dormindo, pois estava curvado e deitado de lado, com o rosto votado para a rua, as mãos enfiadas por entre os joelhos. Mas ele estava vestido adequadamente para o frio [...].”
Sinopse: Quando o professor Ben Bailey sai de casa para pegar o jornal e apreciar a primeira neve do ano, ele encontra um jovem caído e testemunha os últimos instantes de sua vida. Ao conhecer a irmã do rapaz, Ben se convence de que ele foi vítima de um crime de ódio e se propõe a ajudá-la a provar que se tratou de um assassinato.
Sem perceber, Ben inicia uma jornada que o leva a descobrir quem realmente é, e o que deseja da vida. Seu futuro, cuidadosamente traçado, torna-se incerto, pois ele passa a questionar tudo à sua volta, desde o emprego como professor de História, até o relacionamento com sua noiva. Quando a conheceu, Ben tinha ficado impressionado com seu otimismo e sua autoconfiança. Com o tempo, porém, ela apenas reforçava nele a sensação de solidão que o fazia relembrar sua infância problemática. Essa procura pelas respostas o deixará dividido entre a responsabilidade e a felicidade, entre seu futuro há muito planejado e as escolhas que podem libertá-lo da delicada teia de mentiras que ele construiu. Esta, enfim, é uma história fascinante sobre o que devemos às pessoas, o que devemos a nós mesmos e o preço das decisões que tomamos. || Autora: T. Greenwood || Páginas: 336 || Gênero: Ficção || Editora: Novo Conceito || Lançamento: 2012 || Skoob // Amazon
Com uma narrativa em terceira pessoa, Um Mundo Brilhante nos apresenta a história de Ben, professor de meio período e barman durante a noite em um dos bares da pequena cidade pelo qual é apaixonado no período invernal — mesmo que para estar ali tenha de abrir mão de alguns confortos que sua primeira profissão poderia lhe proporcionar se estivesse em outro local. Ben é casado com a garota dos seus sonhos da faculdade, Sara, a qual abriu mão de viver uma vida de luxo proporcionada pelos seu pai, dono de diversas concessionárias, para compartilhar da vida com Ben em Flagstaf trabalhando como enfermeira há anos. Mas é no mais recente inverno, em uma noite de nevasca que faz Ben se sentir o cara mais feliz do mundo, mesmo depois de sua esposa estar chateada com sua atitude vergonhosa na noite anterior, que ele encontra um corpo caído, regado ao próprio sangue, à poucos metros de sua varanda.
Durante a leitura descobrimos que ocorrem diversos assassinatos ao povo indígena nos EUA dos quais as autoridades não se importam em investigar. É justamente essa sensação de injustiça que leva Ben, um homem nenhum um pouco hipócrita, egoísta ou viciado em mentiras (contém pequenas doses de ironia), a fazer justiça no caso do pobre garoto da tribo dos navajos. Ao mesmo tempo que Ben pensa em ficar de fora do caso, sempre parece surgir um motivo para que ele continue insistindo mais um pouco. Tais oportunidades passam a ser banais aos olhos do leitor, já que a caminhada justiceira do personagem principal deixa de ser sobre sua luta ativista de proteção aos índios assassinados, e começa a ser de interesses pessoais ao conhecer Shadi Begay, a indígena-artista-tecelã e irmã mais velha da vítima.
Em questões de escrita e narrativa o livro possui doses certeiras. Sem escrita massante a autora que assina como T. Greenwood, desliza por entre as palavras enquanto entrega um pouco da vida pessoal do Ben, e resumidamente, como uma memória aqui e outra ali durante algum momento oportuno, mostra ao leitor como o personagem chegou a sua vida atual, junto com Sarah, sua cadela Maude e o seu segundo emprego (lembrando que para alguém com PDH, ter um segundo emprego fora de sua área e como barman, não lhe parece ser algo do que se orgulhar). No início o enredo dá a entender que vai ser levantada diversas questões sociais sobre o território norte-americano, mas isso acaba quase sendo deixado de lado, sendo abordado como um plano de fundo usado apenas para iniciar uma conexão entre Ben e Shadi, sendo o Romance um estopim para que toda a vida que Ben nunca reclamará ao lado de Sara, passasse a se tornar um incômodo.
"Ele estava tentando, estava se esforçando. Mas ela não estava facilitando as coisas para ele. Quando Sara estava meiga, alegre e saltitante, ele conseguia amá-la novamente."
Incômodo mesmo foi ter que ler um personagem como ele. Ben tem tudo que um homem, ou um ser humano normal quer em sua vida: uma parceira que o ama e o prioriza (não que isso seja tão positivo), um doutorado em História, um segundo emprego que dá para rir com os colegas, uma cadela, sua casa própria e ainda mora na cidade que sempre quis estar. Nesse livro é possível ver o lado do homem que não se sente feliz com o que já tem e já é, não porque é insuficiente, e sim porque a própria pessoa é do tipo que não dá valor. Por diversas vezes o próprio Ben admitiu que ele já mentiu e continua mentindo para a esposa. Coisas que o leitor percebe que não teria problema em contar a verdade, o que nos faz pensar: Ben, qual é o seu problema afinal? Esses pequenos atos é até aturável quando ocorre paralelamente com enredo de fazer justiça ao jovem navajo, mas se tornou repugnante para mim quando vi uma personagem como Sara, que é da paz e respeitosa se sentir culpada pelo desinteresse do marido que só cresce.
Um Mundo Brilhante não foi de longe um livro regular em 2018. O início promete um pouco de aventura que dura um pouco mais do meio do livro e tem até personagens bem realistas, mas as páginas foram passando, passando e nada mais acontecia. É o tipo de material que eu me pergunto: por que é que você foi escrito mesmo?
A autora por diversas vezes tentou fazer Ben de vitima com seus lamentos
A autora tenta usar da rotina como um bom motivo para as atitudes infiéis de Ben, mas uma pessoa sensata sabe que a rotina não é algo ruim. O que é ruim é o que deixamos de fazer com ela, e para Ben a única que deveria se esforçar para fazer o casamento não oficial (já que ele o tem adiado por dois anos) feliz era Sara. Ela é uma pessoa sensível, bonita e o ama de verdade. É notável que com o passar das suspeitas de traições ela se torna uma mulher insegura, e por mais que eu torcesse para que fosse ela a desistir do casamento, a mesma ainda se sente na obrigação de salvar a relação. Ben é aquela pessoa de categoria vampiresca: vê alguém naturalmente feliz e sorridente, se encanta por esse alguém e se aproxima. Mas ao invés de somar ou mesmo buscar se inspirar e crescer, ele a contamina com sua infelicidade, sugando a pessoa até sua última gota. Quando não tem mais nada que o atraia, vai embora culpando o outro e buscando a próxima vítima.
A única coisa proveitosa que tire de “Um Mundo brilhante” foi a prova de que sim, existem pessoas egoístas, cegas e burras como o Ben. Que mesmo tendo tudo para ser feliz, deseja apenas o que não é seu. Não por amor ou pela busca da felicidade, mas apenas pela adrenalina fajuta. Todo mundo conhece o tipo como ele:
Sara era uma mulher solteira e sorridente > Ben se apaixona e casa com Sara > Ben faz Sara se sentir inútil e triste > Sara fica com raiva > Ben não sente atração pela cara raivosa de Sara > Ben conhece Shadi > Shadi é uma mulher solteira e sorridente > Ben passa a sentir atração por Shadi > o ciclo se repete...
Mas o que me revoltou de verdade foi a tentativa da autora de tentar tornar o personagem uma vítima. Ou mesmo tentar criar alguma reflexão filosófica sobre a vida de casado e romantizar a infidelidade no relacionamento. Por fim, afirmo que Ben faria o mesmo que fez com a Sara à Shadi depois de anos, porque a culpa nunca foi da rotina e nem das mulheres com quem se envolveu (em todo o livro, mesmo a Shadi, sempre tiveram atitudes para executar alguma coisa), e sim dele, que não faz esforço nenhum para manter o que já tem, sendo mais fácil saltar do barco e procurar pela próxima sereia que tenha um canto diferente da anterior. Ele é do tipo que faz merda e reclama das consequências como se não fosse culpa dele.
"— Você tem que me prometer que não vai sair daqui. Que não vai deixá-los vencer. Eles não podem tirar isso de você." — Ben.— Para um professor de história, você certamente não entende muito da sua especialidade, não é mesmo?" — Shadi.
Um Mundo Brilhante começa muito bem na tentativa de abordar questões sociais e ambientais, o respeito de crenças, o preconceito e a xenofobia, e os interesses políticos por baixo de panos imundos, mas a vida de um homem infeliz, infiel e egoísta pode acabar apagando todo o potencial que o brilhante de "Um mundo Brilhante" poderia oferecer. É um livro com uma escrita ótima, com pontos que poderia ter sido trabalhados chegando a se tornar a trama principal, mas que foi apagado por um que me questiono até hoje o motivo de ter sido escrito. No fim as minhas expectativas já tinham ido embora, e se elas ainda estivessem presentes só teria sido mais frustrante. Ben saiu ileso e o que o autor considerou uma prisão para ele, eu apenas lamentei pela infelicidade que se prolonga na vida da pobre Sara — a qual já se tornara tão dependente daquele crápula. Ela estaria muito melhor sem ele, e todos os outros personagens sabem disso.
Não recomendo para ninguém porque (1) o que poderia ter sido interessante no livro acabou não sendo desenvolvido e (2) o que foi priorizado não é interessante: pelo menos não me parece interessante ler uns cinco meses (?) da vida de um cara como o Ben e que não amadurece e nem faz por onde, (3) a trama do romance é brochada por uma infidelidade desnecessária da parte do personagem principal.
"— Sara, o que aconteceu? — Ela não falou. Ela não se moveu. Apenas abriu a boca silenciosamente, como se alguém tivesse roubado a sua voz. Como se tivesse sido completamente esvaziada. Sem cor no rosto. Ela era apenas uma casca. Uma carcaça.— Queria estar morta — disse ela."
3 comentários
Oi Jess.
ResponderExcluirGostei bastante do seu post, porque eu tenho um exemplar e nunca consegui finalizar. Apesar de ter certas expectativas também mornei com a leitura.
Ótima resenha.
Beijos.
Fantástica Ficção
Eu não conhecia esse livro, mas pela sua resenha percebo que eu devo agradecer por isso, rs. Se de ler o que você escreveu já peguei ranço do Ben, imagina lendo o livro? Melhor nem pensar.
ResponderExcluirTem muitos livros bons no mundo para querer tentar ler os que provavelmente não vamos gostar nem um pouco. Obrigada ♡.
Parabéns pela resenha!
Bjo
~ Danii
Oiee,
ResponderExcluirAmei a sinceridade em sua resenha. Detesto, e corro de histórias onde o autor tenta romantizar esse tipo de relação, é totalmente desnecessário e um desperdício de emoções do leitor, no começo, me interessei na abordagem do livro mas, conforme fui lendo sua resenha fui criando certa repulsa pelo "Ben", então, esse com certeza é um livro que passarei longe, e mesmo que, a história tivesse sido excelente seria uma leitura que não faria porque detesto traição, seja ela de que parte for, e ainda por cima ter certa "fantasia" a isso.
Ótima resenha, parabéns!